Apresentando Peter Ouspensky

Piotr Demianovich Ouspensky ( 5 de março, 1878 – 2 de outubro, 1947) foi um filósofo russo que rejeitou a ciência e psicologia de sua época sob a forte suspeita de que havia de existir sistemas superiores de pensamento. Na sua juventude ele estudou misticismo e esotericismo e viajou extensivamente em busca de sabedoria antiga, sentindo que as épocas passadas sabiam mais que a atual. “Eu sentia que havia uma parede sem aberturas em todo lugar”, ele comentou em uma de suas primeiras notas biográficas. “Eu costumava dizer naquela época que os professores estavam matando a ciência da mesma forma que os padres estavam matando a religião.”

Quando Ouspensky conheceu George Gurdjieff e foi introduzido ao Quarto Caminhou em 191, ele percebeu que a barreira em direção ao conhecimento residia em si mesmo; uma pessoa não poderia achar a verdade sem simultaneamente trabalhar para viver a verdade. Conhecimento real poderia vir apenas com preparação suficiente para recebê-lo. Ouspensky passou o resto da sua vida trabalhando para tornar os princípios do Quarto Caminho seus próprios princípios e compartilhá-los com pessoas que pensam da mesma forma. Fazendo isso, ele se tornou um agente da verdade para sua época, carregando a sabedoria da era pré Guerra Mundial ao meio do século XX.

Os anos iniciais do Ouspensky

Ouspensky nasceu em Moscou em 1878 em uma família de classe média que apreciava as artes. Nos relatos da sua autobiografia ele descreve a si mesmo como atípico, desinteressado em se comportar com as outras crianças e com uma inclinação precoce em direção a tópicos mais maduros como as ciências naturais. Sua memória lúcida desses primeiríssimos anos se extendia para até antes dos dois anos:

Peter Ouspensky

Peter Ouspensky

[MAURICE NICOLL] Mas eu tenho certeza que você se lembra da sua vida bem melhor que eu lembro da minha, e que sua vida teve mais significado.

[OUSPENSKY] Sim, mas não exatamente da forma que você diz. Eu notei o quanto você se esqueceu. No meu caso, quando criança eu não brincava com brinquedos. Eu imaginava menos. Eu via o que a vida era num momento muito precoce. i

Maurice Nicoll

Maurice Nicoll

Essas qualidades precoces parece ter cristalizado em sua juventude tanto uma insatisfação constante com o sistema escolar e, depois na sua adolescência um inabalável sentimento de desaprovação em relação aos estabelecimentos científico e acadêmico. O impulso de assumir a responsabilidade pessoal dos seus estudos começou a ser aparente tão cedo, aos seis anos, com Ouspensky escolhendo a ser auto-educado nas ciências ao invés de perseguir a educação formal, com uma fascinação particular pela teoria da quarta dimensão.

Por trás desse impulso, no entanto, repousava a mais indelével marca deixada em sua psique em experiências repetidas de déjà vu entre Ouspensky e sua irmã mais nova, na época com cinco e três anos de idade, nas quais ele reconta como eles eram capazes de lembrar pequenos eventos antes deles ocorrerem.

[OUSPENSKY] Como você pode falar com sua mãe, sua avó, sobre vidas passadas mesmo quando você aprende a falar? Elas irão te internar. Eu lembro muito bem. Eu era muito solitário. Eu tive que esperar minha irmã nascer e então aprender a falar, três, quatro anos talvez antes de ter alguém para conversar.

E então costumava acontecer com frequência dessa forma: ela costumava olhar pela janela e me contar das pessoas que ela via. Havia uma boa combinação em nossa rua, policial primeiro, depois o carteiro, dessa forma. Ela costumava saber quem iria vir dobrando a esquina porque ela se lembrava.

Ela dizia (só que nós usávamos nossa própria linguagem de bebês), “agora virá o policial.” E eu dizia “e agora virá o coletor de impostos”, e ele vinha. Quando fazíamos isso eu com frequência dizia a ela “devemos contar para a mãe, para a vó?”. E a minha pequena irmã dizia “de que utilidade teria contar para mãe, para avó? Elas não sabem, elas não entendem nada.”
Apenas pensem, eu tinha 5, ela tinha 3
. ii

Peter Ouspensky in Childhood

Ouspensky na Infância

Essas experiências sem dúvida contribuíram para a convicção precoce do jovem Ouspensky da existência de uma realidade velada por trás da qual havia um mundo bem diferente com significados perante a vida radicalmente diferentes do que era entendido ordinariamente pelos adultos a sua volta. Foi essa semente inerente nele que se expressou nos anos mais tarde de seus estudos e desenvolvimento pessoal e nunca de fato cessou.

[OUSPENSKY] Descobri a ideia do esoterismo, encontrei um ângulo possível para o estudo da religião e do misticismo e recebi um novo impulso para o estudo de “dimensões superiores. iii

O reconhecimento de Ouspensky atingiu novos patamares com a publicação de Tertium Organum, aclamado como uma obra-prima ao abordar o problema das dimensões superiores, e o estabeleceu, agora com 34 anos, como um filósofo proeminente. No entanto, essas conquistas mundanas sempre pareciam ser de interesse secundário para ele, pois o anseio mais profundo arraigado em seu caráter desde a infância tornava impossível se contentar com o lugar-comum. Ao longo de sua vida, Ouspensky insistiria constantemente em alcançar nada menos que o acesso direto ao milagroso.

Ouspensky 1912

Ouspensky em 1912

O sucesso literário de Ouspensky não o cegou para o fato de que experienciar dimensões superiores era completamente diferente e superior a escrever um best-seller sobre elas. Ele resolveu buscar o milagroso na prática, entrando em contato direto com escolas que possuíam conhecimento e métodos práticos. E assim sua busca continuou.

[OUSPENSKY] Quando fui embora, eu já sabia que iria procurar uma escola ou escolas. Eu já havia chegado a isso há muito tempo. Percebi que os esforços pessoais e individuais eram insuficientes e que era necessário entrar em contato com o pensamento real e vivo, que deveria existir em algum lugar, mas com o qual havíamos perdido contato. Isso eu entendi; mas a própria ideia de escola mudou muito durante minhas viagens e de uma forma tornou-se mais simples e concreta, e de outra tornou-se mais fria e distante. Quero dizer que as escolas perderam muito de seu caráter de conto de fadas. iv

Conhecendo Gurdjieff

De 1913 a 1914, Ouspensky viajou em busca de uma escola, a maior parte desse tempo dedicado a Índia e, enquanto foi bem sucedido em obter um melhor entendimento sobre os tipos de escolas que existiam, ele permaneceu distante  de descobrir uma adequada a sua busca. Ele planejou continuar sua busca no Oriente Média quando sua viagem foi interrompida pelo início da Primeira Guerra Mundial, que exigia seu retorno para casa.

Logo após seu retorno para uma Rússia politicamente turbulenta, Ouspensky organizou palestras para compartilhar o que ele havia descoberto na Índia, com o objetivo de reunir pessoas que pensam de forma parecida e que estão interessadas em suas buscas espirituais. Em uma dessas palestras, ministrada em Moscou, ele foi abordado por dois pupilos de Gurdjieff que o informaram de um grupo engajado em investigações do oculto e experimentos. Eles o convidaram para conhecer seu professor. Enquanto Ouspensky teve uma má primeira impressão sobre o prospecto e respondeu com desinteresse, ele ainda sim concordou no encontro após insistência de um dos pupilos.

Peter Ouspensky

Gurdjieff (1908-1910?)

[OUSPENSKY] Na primavera de 1915 eu conheci em Moscou um homem estranho que tinha uma espécie de escola filosófica. Este era George I. Gurdjieff. Ele e suas ideias produziram uma grande impressão em mim. Logo eu percebi que ele havia encontrado muitas coisas das quais eu estava procurando na Índia. Eu percebi que eu havia encontrado um sistema de pensamento completamente novo que ultrapassava tudo o que eu sabia previamente. Esse sistema jogou uma nova luz sobre psicologia e explicou o que eu não podia entender antes de ideias esotéricas e “princípios de escola”. iii

[OUSPENSKY] Em suas explicações eu senti a segurança de um especialista, uma análise dos fatos muito fina e um sistema que eu não conseguia abarcar, mas a presença que eu já sentia por causa das explicações do Gurdjieff me fez pensar não somente sobre os fatos em discussão, mas também muitas outras coisas que eu havia observado ou conjeturado. iv

[OUSPENSKY] Eu vi, sem nenhuma hesitação, que no domínio (da psicologia), que eu conhecia mais do que qualquer outro e sobre o qual eu podia distinguir o antigo do novo, o conhecido do desconhecido, Gurdjieff sabia mais do que toda a ciência europeia tomada como um todo. v

 

Maurice Nicoll

Gurdjieff e Ouspensky (cerca de 1915)

Ouspensky imediatamente reconheceu em Gurdjieff a qualidade de professor e escola que o iludiu através de todo seu estudo pessoal e busca no exterior. Ele logo ajudou a formar o primeiro grupo em St. Petersburg para o qual Gurdjieff regularmente viajaria de Moscou e se tornou um membro do círculo interno de Gurdjieff por vários anos, interpretando um papel chave no estabelecimento da escola desde a Revolução Russo até a formação do instituto em Fontainebleau​.

A lembrança de Ouspensky desse período foi meticulosamente documentada em seu livro Em Busca do Milagroso: Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido, publicado postuamente, e amplamente considerado para servir como uma introdução magistral aos ensinamentos de Gurdjieff.

Conhecendo o Milagroso

A vida de Ouspensky muda para sempre no verão de 1916, quando ele se vê imerso em uma semana de milagres. Entre um pequeno grupo de alunos mais próximos de Gurdjieff numa casa de campo na Finlândia, o seu trabalho interior intensifica-se até um ponto de inflexão. A combinação de exercícios pessoais e de grupo cultiva nele um elevado estado de tensão emocional, levando ao choque de iniciar conversas telepáticas com Gurdjieff.

[OUSPENSKY] Tudo começou quando comecei a ouvir seus pensamentos. Estávamos sentados numa pequena sala com piso de madeira sem carpete, como é comum nas casas de campo. Sentei-me em frente a G., e o Dr. S. e Z. de cada lado. G. falou dos nossos “traços”, da nossa incapacidade de ver ou falar a verdade. Suas palavras me perturbaram muito. E de repente notei que entre as palavras que ele dizia para todos nós havia “pensamentos” que eram dirigidos a mim. Captei um desses pensamentos e respondi, falando em voz alta, da maneira usual. G. acenou para mim e parou de falar. Houve uma pausa bastante longa. Ele ficou sentado, sem dizer nada. Depois de um tempo, ouvi sua voz dentro de mim, como se estivesse no peito, perto do coração. Ele me fez uma pergunta definitiva. Eu olhei para ele; ele estava sentado e sorrindo. Sua pergunta provocou em mim uma emoção muito forte. Mas eu respondi-lhe afirmativamente.iv

Ouspensky percebe que esse estado de tensão incomum é a chave para toda percepção superior, e que é impossível investigar fenômenos superiores sem essa emoção estranha como pré-condição. A descoberta subjetiva, mas extraordinária, é a resposta para sua busca pelo milagroso, contextualizando o ensinamento de Gurdjieff até este ponto como tendo preparado o terreno para isso.

[OUSPENSKY] Há algo nos fenômenos de ordem superior que requer um estado emocional particular para sua observação e estudo. E isso exclui qualquer possibilidade de experimentos e observações laboratoriais “adequadamente conduzidos.iv

[OUSPENSKY] Esse estado, que é emocional, é exatamente o que não entendemos, ou seja, não entendemos que é indispensável e que os fatos não são possíveis sem ele.iv

[OUSPENSKY] É necessário criar uma certa energia ou ponto particular (usando-o no sentido comum), e isso só pode ser criado num momento de estresse emocional muito sério. Todo o trabalho anterior é apenas preparação do método.vi

Os milagres não terminam na Finlândia, mas continuam por semanas depois, nas quais Ouspensky encontra “pessoas adormecidas” que passam por ele na rua, uma percepção mais elevada que ele observa dura enquanto ele próprio não adormece. Embora esses fatos de ordem superior tenham um valor imensurável para ele, a tensão incomum que acompanha a experiência é constante e muitas vezes difícil de suportar.

[OUSPENSKY] Como podemos nos livrar disso? Não aguento mais.

[GURDJIEFF] Você quer ir dormir?

[OUSPENSKY] Certamente não.

[GURDJIEFF] Então o que você está perguntando? Isso é o que você queria, faça uso disso. Você não está dormindo neste momento! iv

Deixando Gurdjieff

No verão seguinte de 1917, Gurdjieff reúne 13 de seus alunos em uma pequena casa nos arredores de Essentuki, uma cidade na base das montanhas do Cáucaso, na Rússia. O grupo passa por seis semanas de um programa exaustivo, noite e dia, que Ouspensky relata como profundamente significativo em sua compreensão do conhecimento e dos métodos práticos do ensino de Gurdjieff.

Então, abruptamente, em conexão com um incidente envolvendo um de seus alunos mais antigos, Gurdjieff anuncia que o grupo foi dissolvido e todo o trabalho abandonado.

[OUSPENSKY] E de repente tudo mudou. Por uma razão que me pareceu acidental e que resultou de atritos entre certos membros do nosso pequeno grupo, Gurdjieff anunciou que estava dispersando todo o grupo e interrompendo todo o trabalho.iv

[OUSPENSKY] Tudo isso me surpreendeu muito. Considerei o momento mais inapropriado para “atuar”, e se o que Gurdjieff disse era sério, então por que todo o negócio foi iniciado? Durante esse período, nada de novo apareceu em nós. E se Gurdjieff começou a trabalhar conosco da forma como éramos, então por que ele estava parando agora?iv

 

O grau de choque, confusão e decepção tem naturalmente um efeito dramático no grupo, mas em Ouspensky também planta uma semente de desilusão em relação a Gurdjieff, obrigando-o a partir desse momento a começar a traçar uma distinção entre o professor e o ensinamento.

[OUSPENSKY] E devo confessar que minha confiança em Gurdjieff começou a vacilar a partir deste momento. Qual foi o problema e o que particularmente me provocou é difícil para mim definir até mesmo agora. Mas o fato é que a partir desse momento começou a ocorrer em mim uma separação entre o próprio Gurdjieff e suas ideias. Até então eu não os havia separado.iv

A fenda continua a aumentar à medida que Ouspensky recusa dois convites para se juntar a Gurdjieff em Tíflis em 1919 e a participar na estreia inicial do seu “Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Homem”. Ouspensky não se impressiona com a natureza do seu estabelecimento.

[OUSPENSKY] Gurdjieff foi obviamente obrigado a dar algum tipo de forma exterior ao seu trabalho tendo em conta as condições exteriores, [mas] eu não estava muito entusiasmado com o programa do Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Homem… cuja forma exterior estava um tanto com a natureza de uma caricatura. iv

Prospectus of Gurdjieff's School

Prospecto do Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Homem (Circa 1919)

A ruptura não é imediata, mas gradualmente marcada através de uma série de acontecimentos em Constantinopla, Londres e Paris. Ouspensky faz esforços repetidamente para retomar o trabalho com seu antigo professor, apenas para voltar à mesma constatação de sua impossibilidade. Depois que Gurdjieff estabelece o Château du Prieuré na França, e após seu acidente de carro quase fatal em 1924, Ouspensky rompe completamente os laços com ele.

[OUSPENSKY] Pedi-lhe que viesse porque devo dizer-lhe que decidi romper todas as relações com o Sr. Gurdjieff. Isso significa que você tem que escolher. Ou você pode ir trabalhar com ele ou pode trabalhar comigo: mas se permanecer comigo, deverá se comprometer [compreender] que não se comunicará de forma alguma com o Sr. Gurdjieff.vii

[OUSPENSKY] Quando conheci Gurdjieff comecei a trabalhar com ele com base em certos princípios que pude compreender e aceitar. Ele disse: “Em primeiro lugar, você não deve acreditar em nada e, em segundo lugar, não deve fazer nada que não compreenda.” Eu o aceitei por causa disso. Depois de dois ou três anos, vi-o ir contra esses princípios. Ele exigiu que as pessoas aceitassem o que não acreditavam e fizessem o que não compreendiam. Por que isso aconteceu, não pretendo oferecer nenhuma teoria. v

[OUSPENSKY] Pergunta: Já passou pela sua cabeça se arrepender de ter conhecido Gurdjieff?

Ouspensky: Nunca. Por que? Recebi muito dele. Sempre sou muito grato a mim mesmo por, depois da primeira noite, ter perguntado quando poderia vê-lo na próxima vez. Se não tivesse feito isso, não estaríamos sentados aqui agora.

Pergunta: Mas você escreveu dois livros muito brilhantes.

Ouspensky: Eram apenas livros. Eu queria mais. Eu queria algo para mim mesmo. v

A Escola de Ouspensky

Quando Ouspensky chega a Londres em agosto de 1921, ele é saudado com a popularidade da tradução inglesa de Tertium Organum, que, sem ele saber, foi publicada um ano antes em Nova York e na Inglaterra. Alguns membros importantes dos círculos intelectuais de Londres consideram o seu trabalho fascinante e, através da sua influência e apoio financeiro, ele tem uma plataforma para expor os ensinamentos de Gurdjieff.

A ruptura final com Gurdjieff em 1924 marca o ponto em que Ouspensky resolve estabelecer a sua própria escola independente. Mas, apesar do seu acesso a amplos recursos materiais e a um público receptivo, ele intencionalmente mantém o crescimento sob controle durante a década de 1920, restringindo o número de estudantes a serem admitidos, e concentra grande parte do seu tempo em suas publicações, muitas vezes incluindo o grupo londrino no processo de escrita.

[OUSPENSKY] O sistema está aguardando por trabalhadores. Não há nenhuma declaração e nenhum pensamento nele que não exija e admita maior desenvolvimento e elaboração. Mas há grandes dificuldades no modo de treinar pessoas para este trabalho, uma vez que um estudo intelectual comum do sistema é bastante insuficiente; e há muito poucas pessoas que concordam com outros métodos de estudo e que são ao mesmo tempo capazes de trabalhar com esses métodos.viii

 

A década de 1930 inaugura um novo clima de expansão. Ouspensky publica Um Novo Modelo do Universo em 1931, as restrições são removidas o que permite que mais alunos ingressem na escola, e propriedades maiores são garantidas onde podem viver e trabalhar juntos. A fazenda em Lyne Place é comprada em 1935, e Colet Gardens em Londres em 1938, o que leva ao estabelecimento da forma externa da escola, a ‘Sociedade Histórico-Psicológica’.

A constituição da sociedade delineia os principais objetivos da escola de Ouspensky:

O estudo dos problemas da evolução do homem e particularmente da ideia de psicotransformismo.
O estudo das escolas psicológicas em diferentes períodos históricos e em diferentes países, e o estudo da sua influência no desenvolvimento moral e intelectual da humanidade.
Investigação prática de métodos de auto-estudo e autodesenvolvimento segundo princípios e métodos das escolas psicológicas.
Trabalho de investigação em história das religiões, da filosofia, da ciência e da arte com o objetivo de estabelecer a sua origem comum quando pode ser encontrada e diferentes níveis psicológicos em cada uma delas.
ix

Ao mesmo tempo que se constrói um momentum na escola com mais atividades e planos mais ambiciosos – os seus alunos já ultrapassam os mil – há também uma escalada da guerra na Europa, que em 1939 obriga Ouspensky a levar todo o trabalho da escola a uma pausa abrupta e tomar a decisão de se mudar para os Estados Unidos. Em 1941, ele começa a realizar reuniões em Nova York, e Franklin Farms, uma grande casa e propriedade em Nova Jersey, é adquirida no ano seguinte para servir como sua nova casa e centro de ensino para os estudantes que o seguiram desde a Inglaterra e para os estudantes americanos que ele atrairá.

 

Abandonando o Sistema

Na primavera de 1946, aos 68 anos de idade, a saúde de Ouspensky se deteriorou rapidamente devido a uma doença renal crônica. No verão, ele dá suas palestras finais em Nova York para transmitir aos seus estudantes americanos a indesejável notícia de que partirá para a Inglaterra e entregará a continuidade da escola em Franklyn Farms a Madame Ouspensky.

Em 23 de janeiro de 1947, Ouspensky retorna à Inglaterra e dá seis palestras em Colet Gardens, de fevereiro a junho, para um público de mais de 300 pessoas. A percepção de sua saúde bastante debilitada pegou seus estudantes ingleses desprevenidos, eclipsada apenas por um comportamento dramaticamente alterado que não combinava com o professor de quem eles se lembram.

[PERGUNTA] Você deseja que continuemos com o programa que você nos deu em 1940?
[OUSPENSKY] Programa? Não sei de nenhum programa. Qual programa?
[PERGUNTA] Programa que você deu em 1940.
[OUSPENSKY] Não, não me lembro.
[…]
[PERGUNTA] Temos tentado seguir o ensinamento que você nos deu anos atrás.
[OUSPENSKY] Não dei nenhum ensinamento.
[PERGUNTA] Você nos contou certas coisas para nos ajudar.
[OUSPENSKY] Vocês entenderam mal.
[PERGUNTA] Onde podemos começar a trabalhar agora?
[OUSPENSKY] Verei o que você quer saber e por onde quer começar, e então veremos o primeiro passo, e talvez encontremos o segundo passo. Não sabemos o primeiro passo, essa é a questão. Isso você deve lembrar.
x

[PERGUNTA] O senhor quer dizer, Sr. Ouspensky, que abandonou o Sistema?
[OUSPENSKY] Não existe Sistema.
xi

Ouspensky produz uma confusão extraordinária, passando-se por um estranho que não oferece nenhum reconhecimento ou ligação ao ensinamento que tem sido a base central de sua identidade e profissão há mais de duas décadas. Ele é conciso em todas as respostas, recusando-se a falar no jargão do ensinamento, e rejeita qualquer noção de um objetivo comum, em vez disso, direciona os questionadores de volta a si mesmos, à sua própria posição pessoal, como ponto de partida.

O público está dividido entre aqueles que vêem o espetáculo como uma prova de sua condição deteriorada, enquanto outros o recebem como uma demonstração de uma sinceridade mais profunda. Alguns vão mais longe ao reconhecerem nele um convite a libertarem-se da forma de ensino conhecida como o “sistema”, que depois de tantos anos se tornou um fardo para a compreensão posterior deles.

[OUSPENSKY] Você deve começar de novo. Você deve fazer um novo começo. Vocês devem reconstruir tudo por si mesmos – desde o início. xii

[OUSPENSKY] Sim, eu disse abandonar, não destruir. xiii

Os últimos dias de Ouspensky

No verão de 1947, Ouspensky retira-se para Lyne Place com um pequeno círculo de seguidores, embarcando em uma série de excursões a marcos importantes durante sua vida na Inglaterra, com o aparente objetivo de retraçar e reconstruir sua memória de todos os episódios com os quais eles estavam conectados. Aqueles que se juntam a Ouspensky nessas viagens veem-na como uma expedição que exige que eles trabalhem continuamente para agregar significado por meio de suas pistas e sugestões enigmáticas, a fim de navegar.

[OUSPENSKY] O que é este lugar​?

[SENHORITA P] Lyne Place.

[OUSPENSKY] Com o que está conectado?

[SENHORITA P] Está conectado com tudo.

[OUSPENSKY] É isso – exatamente. xiii

Em 4 de setembro de 1947, muitos preparativos estavam em andamento em ambos os lados do Atlântico para o retorno de Ouspensky à América, com seu pessoal em Lyne Place organizando sua partida enquanto os de Franklyn Farms se preparavam para sua chegada. No entanto, no exato momento de embarcar no navio, Ouspensky cancela toda a viagem e solicita retornar a Lyne Place, uma decisão que imediatamente se revela ter sido seu plano o tempo todo​​.

[OUSPENSKY] Você sabe que eu nunca pretendi ir à América – nem por um minuto.xiii

Esta súbita inversão de planos abre espaço para uma sequência de acontecimentos extraordinários e estranhos nos quais os companheiros de Ouspensky se habituam a encontrar uma aceitação quase incondicional, não importando quão incomum fosse o pedido ou irracional fosse a exigência. Ele obriga a família a quebrar todas as rotinas, confundindo o dia com a noite, continuando a caça ao tesouro por toda a Inglaterra enquanto demonstra um espantoso controle da vontade sobre o seu estado frágil e gravemente enfraquecido​.

[OUSPENSKY] Você entende que tudo só pode ser feito através de esforço, ou você acha que as coisas podem acontecer direito​? xiii

[STUDENT] Como eu encontro o “Eu Real”?
[OUSPENSKY] Fazendo exigências a si mesmo. Eu te mostro o caminho.
xiii

Aqueles que fazem parte de seu círculo interno relatam fenômenos sobrenaturais contínuos acontecendo nesses últimos dias. Eles atribuem a Ouspensky a faculdade de orquestrar pessoas e eventos por meio da telepatia, como ele é capaz de induzir condições e cenários especiais como se estivesse dirigindo e produzindo uma performance teatral com sua própria morte consciente como enredo central, e pela qual cada um de seus os pares, através do papel que desempenham, são instruídos sobre o futuro do seu trabalho pessoal​.

[OUSPENSKY] Este não é um ensaio geral. Isto não é milagre. Isto é preparação para a preparação para um milagre.xiii

Ouspensky morre em 2 de outubro de 1947 em Lyne Place, com aqueles que estavam com ele no final deixados com a firme convicção de que ele continuou adiante, no espírito de sua adesão ao longo da vida à Teoria da Recorrência, para se encontrar novamente como um recém-nascido em Moscou, em 5 de março de 1878. O projeto consciente deste período final serve como testamento para sua personificação do ensinamento ao qual dedicou sua vida​.

[OUSPENSKY] Pense na morte. Você não sabe quanto tempo você ainda tem. E lembre-se que se você não se tornar diferente, tudo vai se repetir novamente, todos as tolices, todos os erros bobos, toda perda de tempo e oportunidade – tudo se repetirá com exceção da chance que você teve desta vez, porque a oportunidade nunca vem com a mesma forma.xiv

Fontes

  1. Comentários Psicológicos, por Maurice Nicoll
  2. Conversas de Ouspensky com Gerard Palmer (1946)
  3. Notas autobiográficas
  4. Em Busca do Milagroso, por Peter Ouspensky
  5. Coleção Memorial P. D. Ouspensky, Biblioteca Memorial Sterling, Universidade de Yale
  6. Um registro adicional, por Peter Deminaovich Ouspensky
  7. Testemunha, de John Godolphin Bennett
  8. Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido (manuscrito de 1926) por Peter Ouspensky
  9. A Constituição, Objetos e Organização da Sociedade Histórico-Psicológica
  10. 24 de Fevereiro de 1947, Colet Gardens 
  11. 21 de Maio de 1947, Colet Gardens
  12. A Teoria da Influência Celestial de Rodney Collin
  13. Últimas lembranças de um mágico, de Rodney Collin e Francis Roles
  14. Consciência: Em Busca da Verdade, por Peter Ouspensky

EM 2022/24, A BEPERIOD CRIARÁ UM DOCUMENTÁRIO DE LONGA DURAÇÃO SOBRE GEORGE GURDJIEFF

George Gurdjieff

Parte I:
Gurdjieff

Gurdjieff on the Three Brains
Parte II:
Ensinamento
Gurdjieff on the Three Brains

Parte III:
Escola

Gurdjieff on the Three Brains

Parte IV:
Iniciação

Esotericism shown in a Tibetan Mandala